sábado, 24 de janeiro de 2015

A última coisa que me lembro: Terceira parte



  Que asas majestosas e assustadoras! Cobriam duas presas com facilidade, o movimento de asas que aparou a descida do segundo dragão fez a grama curvar-se e revelar a despreparada vítima por completo, um único golpe fulminante e tudo que se ouvia era o som de dor e morte, sangue jorrava para cima manchando a superfície alva da vegetação e em instantes mais e mais dragões descomunalmente grandes chegavam e colocavam em fuga centenas de monstros menores. Os ataques eram precisos, justamente nas partes sem a armadura negra, acho que a tempestade os ensurdeceu a ponto de não ouvirem o bater de asas das feras aladas. Em formidáveis mergulhos, os dragões caíam do céu deixando um rastro de nuvens para trás e com as asas fechadas só as abriam outra vez perto do solo, deixando de prontidão suas longas e escuras garras que se enterravam na pele marrom-âmbar dos seres quadrupedes de chifres.

  Meu pavor já não pode ser descrito, meus dedos estão cravados na árvore e rezo a deus para que sejam tão grandes que não enxerguem um microrganismo como eu. Mas a minha fantasmagórica fortaleza logo se mostra ameaçada, um dos chifrudos está correndo em direção à árvore deixando para trás o massacre. Percebo a sua magnitude a cada galopada e temo o poder do seu chifre, pois correndo com a cabeça tão abaixada sob a vegetação como ele estava, facilmente poderia colidir com o meu disfarçado esconderijo, tal impacto com certeza me arremessaria ao solo, pois não havia onde me agarrar, além das pequenas cavidades no encharcado e escorregadio tronco.

- Desvie! Desvie!... Desv...

   A rajada de vento bateu contra meu peito e arremessou-me no gramado, antes de cair sobre a grama pude ver as asas do dragão contorcendo-se ao devorar sua presa. Não estou morta. Ainda. A queda foi dolorosa, porém com menos impacto do que pensei que seria, talvez a incessante chuva tivesse feito com que deslizasse melhor, entretanto os cortes só aumentaram em meus braços e alguns no rosto também, mas todos superficiais com exceção daquele rasgado em meu antebraço direito é claro. A folha de grama tinha entrado em minha pele assim que ela passou da coloração branca para verde e permaneceu ali ate eu atingir o solo, provavelmente dois metros em que a folha cortou-me até parar no osso. O pior foi tirá-la dali. Em quanto fazia isso cautelosamente ouvi o som de um animal farejando alguma coisa, no caso, eu.

   Acima de mim, no topo da relva a enorme cabeça escura e afunilada de um ser chifrudo permanecia observando-me atentamente. Eu ainda estava com o braço preso na folha, mas não tirei os olhos da criatura. Encaramo-nos por uma eternidade pelo que me pareceu. Fitei seus olhos de um tom castanho muito claro, tão claro que praticamente era dourado. Estava tremendo, molhada e paralisada de medo, o pavor circulava em mim mais rápido que o sangue, ate porque o mesmo pulsava para fora.

  Pensei que a qualquer instante ele fosse me devorar afinal não vi se o que eles estavam comendo era a própria grama ou um animal menor. Sua boca abre-se em forma de cruz com dentes por todos os lados e faz um som como aquele típico que fazemos para chamar um cachorro. Meus olhos se arregalam de pavor, minhas pupilas de medo e pude ver aquela cabeça engolindo a minha, mas antes disso arranquei o braço da grama e corri como se o demônio estivesse perseguindo-me.

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