Olá caros imortais, como estão?
Mais um conto quentinho, esse tem tempo que escrevi, particularmente gosto muito dele. Coincidentemente outro conto que deixa certa apreensão no ar. Aproveitem.
Comentários, críticas e sugestões são sempre bem vindas, até a próxima.
Ela é uma bruxa!
Isso é muito legal! Olhe para estas
montanhas, pra todo esse verde... Olhe lá! Olhe lá, ao longe eu vejo uma
ovelha, você vê? – É... Vejo. – Eu sempre adorei viagens de trem e mal posso
esperar para chegar a Munique... A escola não poderia ter escolhido data melhor
para esta excursão, será o melhor aniversário de 14 anos que eu poderia ter, e
quando chegarmos lá nós poderíamos...
Eu escutava o que Susan dizia, mas era um som
qualquer, distante e indecifrável naquele momento. Efeito causado pela figura
que eu deslumbrava há horas e do mesmo modo ela deslumbrava a mim, perplexo era
como estava, aquela velha com olhos de serpente parecia ter sido arrancada de
uma das histórias que minha mãe narra com tanta eloqüência. “... Amantes do diabo
é o que elas são, seus ancestrais sabiam disso e por isso não descansaram o fio
da espada...” –... E então eu poderia subir na torre do relógio da Neues
Rathaus e me jogar de cabeça, quem sabe assim você me desse um pouco de
atenção...
- Claro... Claro...
- Stephan!
- Não!... Não diga meu
nome... É tudo que ela precisa pra saber sempre onde estou... (Diz o garoto
tentando disfarçar).
- Do que você está
falando?
Eu a prendi com meus olhos e a guiei para que
olhasse para a mulher, tenho certeza que ela já tinha a percebido, mas não como
eu, a velha se entregava com todo aquele aspecto intimidador com seu xale preto
trançado sobre os ombros, saia comprida, botas de couro com fivelas de cobre e
os cabelos vermelhos como fogo flamejante, talvez isso não fosse o suficiente,
mas os olhos... Os olhos me diziam tudo, o que me fez pensar que talvez não
houvesse medo nela, talvez ela fosse mais diabólica ainda, talvez ela estivesse
ali por um propósito... Susan me devolveu uma expressão como se dissesse “o que
tem com ela?”
Será que ela não via? Será que a mãe dela não
lhe ensinava nada? Da onde nós vínhamos ela deveria saber. Pelo amor de Deus
estava explicito... Estranho que ao pensar em Deus a velha se incomoda e volta
a me fitar com olhos venenosos, como se quisesse se embebedar com o meu sangue.
Então eu sou obrigado a ir ao pé do ouvido de Susan e lhe sussurrar palavras
proibidas a crianças.
-... Ela é uma
bruxa!...
Susan levou as mãos à boca para esconder o
ligeiro sorriso de deboche, eu a cutuquei para que se contivesse e a velha já
denotava certa impaciência quando se desfez de sua postura ereta e observadora
levantando-se do assento a nossa frente.
- Ela percebeu... Deus
ela percebeu... Estamos mortos.
- Calma Stephan!... Ela
só deve ter ido ao banheiro, será que você pode tentar ser normal ao menos uma
vez na vida? Sua mãe não deveria alimentar essas histórias da sua família...
- Ela diz que está no
meu sangue... E... Eu vejo coisas horríveis em meus sonhos!
- Para você está me
assustando...
- Talvez seja tudo
verdade, talvez elas sejam... Reais.
- Chega Stephan!... Eu
vou sentar em outro lugar, fique com as suas maluquices... – Não, espera...
Droga.
Eu não queria ser o garoto estranho que ela
dizia que eu era e não gostava da fama da minha família, mas desde que me
lembro de ter memórias recordo da minha mãe fazendo orações em latim e
escondendo lascas de figueira pela casa, meu pai morreu pouco depois do meu
nascimento vitima de um infarto totalmente improvável e duvidoso, minha mãe diz
que foi obra das filhas das filhas “delas”, diz que nunca nos deixarão em paz,
diz que estão sempre a nossa espreita, sempre a nossa porta. De fato ela diz
isso, “... Toda a sexta feira em que a lua for a maior no céu elas estarão do
outro lado da porta e se a oração de são bento não estiver no marco elas
simplesmente vão entrar e não haverá fortaleza em que possa se esconder.”
Por mais medo instintivo que sentia minha
curiosidade era maior e já havia espiado pelo olho mágico em uma sexta feira de
lua cheia e não havia nada lá. Minha mãe que estava a minha espreita naquele
dia se aproximou e disse “... Não pode vê-las assim...” ela pegou um pequeno
espelho que usava para pentear seus cabelos e me levou ate a janela ao lado da
porta, ela puxou uma parte da cortina e virou o espelho contra o vidro e disse
“... Olhe, mas não tenha medo você está seguro...” eu me aproximei lentamente
apreensivo pelo suspense que me consumia a alma e olhando pelo espelho de
costas para a janela a principio não via nada, minha mãe rodava o espelho
cautelosamente ampliando o ângulo de visão e quando já estava desacreditado eu
vi. Elas estavam lá, todas elas, como um exército de longos vestidos pesados e
densos como a noite, estavam todas com uma carapuça sobre a cabeça que lhe
escondia quase todo o rosto, só podia ver da boca para baixo, (o que já foi o
suficiente para que eu imagina-se o resto) seus dentes eram podres e afiados
como os de um crocodilo, também via tranças de cabelo vermelho que saiam do
capuz ate a altura do peito. Admito que a visão que mais me parecia de
comissárias da morte ainda me causa calafrios.
Eu corri e me tranquei em meu quarto, minha
mãe usou a chave mestra para entrar e ficou comigo ate que caísse no sono
enquanto acariciava meus cabelos dizendo que elas não podiam nos fazer mal.
Naquele dia ela me deu a Cruz-medalha de são bento, era do meu pai e estava na
família há séculos, nela havia várias siglas da oração de são bento, mas a
inscrição que mais me chamava a atenção dizia Sunt Mala Quae Libas Ipse Venena
Bibas “É mau o que me ofereces, bebe tu mesmo os teus venenos!”.
Lembrar disso nesse momento em que estava
sozinho não me confortou em nada, mas por um momento ali sentado olhando pela
janela sem a velha medonha a me apunhalar com os olhos, senti uma certa calma
que me tranqüilizou dizendo “nada de ruim está acontecendo, vai ficar tudo bem”
talvez fosse a paisagem bucólica que observava ou a fumaça que via saindo pela
chaminé de uma casa no alto da colina, pude ate recostar a cabeça e fechar os
olhos por um instante, imaginei-me já em Munique vendo o belo sorriso de Susan
após eu ter me desculpado com ela.
Minha discreta serenidade acabou no instante
que a velha voltou a sentar-se a minha frente. Com as pernas cruzadas e as mãos
sobre os joelhos me fitava como alguém que estava a interrogar, mas não era a
“mim”, carne e osso, que ela encarava, aquele seu olhar profundo e instigador
atravessava meu semblante e deixava nua a minha alma, era como se ela já me
conhecesse há uma eternidade, ou talvez não a alma, mas sim a natureza dela,
como se já tivesse lido tudo o que havia pra ler e agora só repassava pelas
velhas páginas repudiando o conteúdo. Não suportava mais aquele jogo, se
tivesse em mãos a tal espada das histórias de minha mãe por certo já teria lhe
arrancado a cabeça. Havia uma tensão que esmagava meu pescoço e antes que a
guilhotina descesse levantei-me para procurar Susan.
Ao realizar o simples fato de levantar do
assento e olhar ao redor era como quebrar a barreira do som ao inverso, sair da
zona onde o som não se propaga e entrar em outra aonde conversas paralelas
reinavam e os risos eram seus servos. – Você viu a Susan? – Pensei que ela
estivesse ao seu lado... – É ela estava... Hey Melissa você viu a Susan?
- Ela passou e disse
que ia sentar-se aqui depois que voltasse do banheiro, já faz uns quinze
minutos... Você deve ter deixado ela enjoada (risos sarcásticos).
- Muito engraçado...
Não sabia por que, mas meu coração começava a
sufocar, caminhei ate o fim do vagão onde ficavam os banheiros bati na porta do
banheiro feminino e chamei por Susan, mas a porta estava entreaberta,
empurrei-a rapidamente, pois pensei que não havia ninguém, mas a imagem que
encontrei foi devastadora, no instante que vi foi como se alguém me desse um
forte soco na boca do estômago e antes que todo o ar abandonasse meu corpo,
duas fortes mãos apertassem minha garganta com toda a força trancando o ar em
meu peito. Era Susan, a garota linda que me roubava sorrisos estava na minha
frente enforcada com a própria gravata do uniforme da escola, estava amarrada
ao suporte do bico de luz, eu via a gravata amarrada ao seu pescoço deixando
uma vermelhidão por estar tão apertada a ponto de quebrar. Seus joelhos estavam
levemente flexionados e os pés tocavam o chão, de pé ela não se enforcaria, mas
era calculável que a facada no pulmão do lado esquerdo a fez perder as forças,
a faca estava enterrada ate o cabo e o sangue ao redor do ferimento entrava em
contraste com o alvo branco da camisa social de botões escuros que usava, a
camisa estava com as mangas recolhidas ate os cotovelos e na parte de dentro de
ambos antebraços havia um corte profundo que formava uma cruz invertida, a
linha horizontal cortava os pulsos e a vertical subia do meio da palma da mão
ate onde a manga da camisa se recolhia. A mesma cruz invertida marcava seu
rosto, a linha horizontal traçava de uma orelha a outra passando logo a baixo
do nariz e a vertical subia do queixo ate a testa, deus... Ela estava tão
pálida! Seus olhos outrora azuis celeste agora dominados por completo pelo
branco esfumaçado, estavam revirados.
Seus dóceis cabelos loiros cacheados que lhe
colocavam em uma moldura aparentando ser uma leoa, agora estavam com mechas
tingidas de sangue. Toda essa imagem cruel montada aos poucos explodiu em meu
horizonte atordoando meus sentidos, e no mesmo instante em que arranquei com
demasiado esforço este punhal do meu coração, bradei algumas palavras.
- Deus não!... Não, não,
não... Ajudem-me! Ajudem-me, por favor!...
Todos levantaram assustados – Tirem ela dali!
Tirem ela... Bruscamente o trem começa a parar fazendo o som de metal rangendo soar
alto, a ação repentina foi tão abrupta que levantou as pessoas um metro do chão
e as fez rolar por todo o vagão, para mim tudo foi instantâneo, senti meu corpo
no ar e logo vi o braço de um banco se aproximar quando tudo escureceu; o trem
parou em segundos tamanha a força que o paralisara.
Acordar e abrir os olhos foi como tirar uma
agulha de trinta centímetros da minha testa. Estava deitado em meio a uma possa
de sangue, metade do meu corpo estava em carmesim, apoiei-me ao banco para
conseguir levantar, mas a enxaqueca provocada pelo profundo corte em meu
supercílio me fez ver tudo rodando, luzes piscaram continuamente ate que
estourassem de vez deixando-me completamente emaranhado em um sinistro breu, os
céus estavam escuros, uma tempestade se instalou repentinamente e entre um
relâmpago e outro o enjôo e a repudia tomavam conta de mim ao ver o que estava
em meu redor, havia retalhos humanos por todos os lados, sangue pelos bancos e
janelas foi como acordar em outra dimensão, mais precisamente no inferno. Acho
que nem Picasso teria imaginado cena pior.
Estava completamente atordoado e os únicos
sons que ouvia eram de trovões e gargantas agonizantes afogando-se com o
próprio sangue. Alguém tinha que estar vivo!
- Melissa?!... Peter?!...
Gritava eu enquanto cuidava pra não pisar em nenhum braço, perna ou qualquer
outra parte do corpo que já não podia reconhecer, estavam todos retalhados com
marcas de garras, meus olhos nunca estiveram tão abertos e pasmos, o medo me
prendia a língua, mas eu tinha que encontrar alguém e a cada novo passo que
dava tateando no escuro fazia aquele sangue inerte no chão respingar em minhas
calças.
- Por favor, alguém...
Alguém está vivo?!
- Eu...
Aquela voz me gelou a alma, pois vinha da
onde a figura medonha estava a me assombrar a viagem toda. Fui aproximando-me
devagar e a cada passo o coração pulsava mais depressa, logo vi a velha sentada
de costas para mim virada para janela.
- Que dor horrível...
Tire-me daqui, por favor... (murmurava ela).
Todo aquele frio e vento gelado que provinha
da tempestade me fazia tremer e ter a respiração condensada. Estendi minha mão
vagarosamente a ela, mas perdi a noção da distância, pois não enxergava nada,
então quando toquei o seu ombro houve um clarão nos céus e ela virou-se
rapidamente segurando o meu braço, seu rosto transfigurou-se em uma visão
diabólica, sua pele tornou-se grossa com um tom acinzentado e as orelhas
grandes e pontudas como as de um lobo em estado de alerta, seus dentes eram
podres e afiados como aqueles que já tinha visto. Sua mão ficou grande e magra
e suas unhas tornaram-se garras ela me encarava no fundo dos olhos enquanto seu
toque queimava meu braço.
- Onde está a sua
coragem para me encarar agora? – Me solte!...
Em um empurrão consegui me desvencilhar dela e
corri ate o fundo do vagão onde estava quando caí. Tropecei em algo e fui ao
chão, novamente sangue era o que corava as minhas mãos ao levantar os olhos
percebi que havia alguém em minha frente eu reconhecia aqueles sapatos, era
Susan ali em pé do mesmo modo que a tinha visto, ate mesmo com a gravata
amarrada no pescoço, recuei atônito e levantei-me, os trovões e relâmpagos já
eram constantes e entre uma rajada de luz e outra Susan retirava lentamente a
faca de seu pulmão e eu sentia a bruxa crescendo por trás de mim.
- Susan não faça
isso... Tentativa em vão, não era ela a dona de seu arbítrio, estava morta e a
morte é o domínio de quem me perseguia. Susan desferiu o golpe contra mim, eu
saltei para cima do banco ao lado e a faca cravou o peito da bruxa, Susan
permaneceu imóvel enquanto a bruxa agarrou sua mão e a fez arder em chamas o
cheiro de carne queimada me revirou o estômago, logo Susan estava em cinzas e
eu corri saltando por cima dos bancos ate chegar à porta de divisa do vagão, a
bruxa arrancou a faca de seu peito e dissolveu-se em uma densa fumaça escura.
Eu abri a porta e continuei correndo, neste vagão todos estavam petrificados
como estátuas de pedra, sorrateiramente a bruxa materializou-se a alguma
distância na minha frente e arremessou a faca contra mim, o movimento foi tão
rápido que já imaginei a faca atravessando meu coração.
O dia brilhou outra vez! Acordei-me com a
sensação de ter levado um soco no peito com a respiração acelerada, estava tudo
em seu devido lugar e eu sentado sozinho em meu banco. Olhei pela janela e
ainda via a fumaça saindo pela chaminé da casa no alto da colina, segurei a
minha cruz-medalha de são bento e ela estava furada como se algo a tivesse
penetrado e no meu peito um pequeno arranhão, apertei forte o colar e respirei
fundo.
- Olha nos conhecemos a
tanto tempo que não consigo ficar brava com você, está tudo bem não é?
Ver Susan exuberante outra vez me fez sorrir e
cintilar os olhos como nunca antes havia feito. Ainda segurando a medalha disse
confiante...
- É claro... Claro.
Nada de ruim está acontecendo, vai ficar tudo bem.
Que tensão, heim kkkkkkkk
ResponderExcluirGostei! Bem legal! Parabéns!
Também escrevo um conto que também tem bruxa.
Dá uma olhadinha quanto puder
http://brendalandim.blogspot.com.br/p/contos.html
Bjin
Que bom que você gostou, vou conferir agora mesmo o seu conto.
ExcluirAte mais.